Faltando três dias para as eleições municipais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou ontem que o candidato João Dehon da Silva (PMDB), que tentava retornar à Prefeitura Municipal daquela cidade, está fora da disputa. O ministro Arnaldo Versiani acatou pedido da coligação governista e indeferiu o registro de candidatura do peemedebista. João Dehon. Ele entrou na lista dos inelegíveis do Tribunal de Contas da União (TCU). Veja abaixo a decisão do ministro:
DECISÃO
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte deu provimento a recurso da Coligação Grossos Cada Vez Melhor e indeferiu o pedido de registro de candidatura formulado por João Dehon da Silva ao cargo de prefeito do Município de Grossos/RN para as eleições de 2012, em virtude da incidência da inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 (fls. 319-329).
Opostos embargos de declaração pelo candidato (fls. 333-341), foram eles acolhidos em parte pelo acórdão de fls. 416-420.
O candidato também interpôs simultaneamente recurso especial, no qual alega violação à referida alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, além de divergência jurisprudencial (fls. 343-357).
Sustenta que a alínea g "exige a irrecorribilidade da decisão", o que, no caso, "não se verificou uma vez que a Corte Regional se apegou a mera relação da Corte de Contas, havendo reconhecido o relator que inexistia nos autos quaisquer notícias de certidão de trânsito em julgado" (fl. 350).
Salienta, ainda, que "somente à Câmara de Vereadores - e não ao Tribunal de Contas - assiste a indelegável prerrogativa de apreciar, mediante parecer prévio daquele órgão técnico, as contas prestadas pelo Prefeito Municipal" (fl. 354).
Objeta, também, que a omissão no dever de prestar contas não enseja a configuração da respectiva inelegibilidade.
O recurso especial foi ratificado a fls. 423-424.
Não foram apresentadas contrarrazões (fls. 426).
A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo não provimento do recurso (fls. 429-434).
Decido.
Extraio do acórdão regional a respectiva fundamentação
(fls. 324-329):
No caso em apreço, o ponto controvertido está em três aspectos: a) competência ou não do TCU para analisar as contas do Senhor João Dehon da Silva, enquanto Prefeito do Município de Grossos; b) Existência ou não de decisão irrecorrível; c) existência ou não de Irregularidades insanáveis que configurem atos dolosos de improbidade administrativa.
Entendo que o TCU era o órgão competente. Apurou-se, nas análises procedidas, a gestão dos recursos de convênio celebrado entre o Município de Grossos e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, tendo como objeto a assistência financeira para atender ao Centro de Referência da Assistência Social - Casa da Família.
O caso em exame é de contas de gestão, fazendo incidir o artigo 71, II, da Constituição Federal, que prevê a competência da Corte de Contas para "julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público".
Dentre os diversos precedentes, destaco o voto do relator da Reclamação nº 14042/RN, Ministro Luiz Fux, também no sentido do entendimento ora exposto:
"[...] os Prefeitos Municipais não atuam apenas como chefes de governo, responsáveis pela consolidação e apresentação das contas públicas perante o respectivo Poder Legislativo, mas também, e em muitos casos, como os únicos ordenadores de despesas de suas municipalidades.
E essa distinção repercute na atuação fiscalizatória das Cortes de Contas. Assim, quando estiver atuando como ordenador de despesas, compete ao Tribunal de Contas o julgamento das contas dos Prefeitos Municipais, apurando a regular aplicação de recursos públicos, consoante art. 71, inciso II da CRFB/88. Em caso de inobservância dos preceitos legais, cabe à Corte de Contas aplicar as sanções devidas pela malversação de tais verbas.
Como corolário, não se atribui a competência das Câmaras Municipais para o julgamento definitivo acerca das contas públicas, seja pela sua subserviência ao Executivo Municipal, seja pelo esvaziamento da atuação das Cortes de Contas.
Decerto, o pensamento oposto vulnera a função precípua da Corte de Contas - apurar eventuais irregularidades na gestão da coisa pública -, permitindo a perpetuação de fraudes e corrupções pelos Municípios ao longo do país.
Se ficar configurado que o Prefeito titulariza a competência, específica e individualizada, de administrar a aplicação dos recursos públicos em sua municipalidade, como é o que se verifica no caso dos autos, franqueia-se ao Tribunal de Contas a possibilidade de proceder ao julgamento das contas municipais, com caráter de definitividade. Destarte, afasta-se a incidência, em tais casos do art. 71, inciso l, da Constituição de 1988, na medida em que se encontra adstrito aos aspectos mais gerais relacionados à execução do orçamento (contas políticas ou de governo)" (Rcl. nº 14042/MC/DF - Rel. Min. Luiz Fux - DJe-150 DIVULG 31/07/2012 PUBLIC 01/08/2012)
Trago precedentes, ainda, desta Corte Eleitoral, que já entendeu ser o Tribunal de Contas o órgão competente para julgar contas de gestão do Prefeito ao apreciar, na Sessão do dia 14/08/2012, o Recurso Eleitoral no 160-72.2012.6.20.0023, de minha relatoria, e na Sessão do dia 17/08/2012, o Recurso de nº 107-67.2012.6.20.0020, de relatoria do Juiz Nilson Cavalcanti.
Ademais, em conclusão, vale ressaltar que a novel Lei Complementar nº 135/2010 inovou ao prever expressamente a aplicação do artigo 71, II, da Constituição federal "a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
Quanto à alegação de inexistência de decisão irrecorrível proferida pelo TCU, uma vez que ainda haveria pedido de reconsideração, o argumento não merece ser acolhido.
Há, nos autos (fl. 50), inclusive trazido com a impugnação, o documento enviado pelo TCU com a "relação de responsáveis com contas julgadas irregulares", feito em 09/07/2012, informando que, atinente ao processo do impugnado que tramitou perante o Tribunal de Contas da União, houve o trânsito em julgado em 09/06/2012, tornando-se, com isso, irrecorrível.
O que o impugnado busca argumentar - e assim entendeu a Juíza Sentenciante - é que há um pedido de reconsideração, o qual faria com que a decisão ainda não fosse definitiva.
Na verdade, o que o recorrido apresentou perante o TCU, ao qual se referiram o impugnado e a sentença, não foi um recurso de reconsideração - o que, aliás, ele já havia interposto e rejeitado pela Corte de Contas, como mostra o acórdão do TCU às fls. 72/80 -, mas sim um pedido de revisão, apesar de por ele nominado de Recurso de Reconsideração. Tanto que o Ministério Público junto ao TCU, no parecer de fls. 1005 (apenso 5), opinou que "o recurso apresentado pode ser conhecido como recurso de revisão, em atenção ao princípio da fungibilidade dos recursos".
Aliás, o recurso de revisão, conforme o artigo 288 do Regimento Interno do TCU, é cabível justamente contra decisão definitiva em processo de tomada de contas, nos casos lá previstos, o que mostra que houve o trânsito em julgado da decisão, como previamente informou o TCU.
Ressalte-se que a apresentação de eventual pedido de revisão não torna a decisão recorrível. Neste sentido, o TSE já entendeu que "a liminar em pedido de revisão deduzida perante o Tribunal de Contas não afasta a incidência do disposto no artigo 1º, l, g, da Lei Complementar nº 64/90, com as modificações da Lei Complementar nº 135/2010, que reclama suspensão ou anulação pelo Poder Judiciário, das decisões do Tribunal de Contas que julga irregulares contas de convénio." (AgR-Respe no 90166- Rel. Min. Hamilton Carvalhido - maioria - p. na sessão do dia 02/12/2010).
Para concluir e não restar mais dúvidas quanto à definitividade da decisão do TCU, este Relator conferiu o resultado do mencionado Recurso de Revisão, nominado como Recurso de Reconsideração, disponível na Internet e verificou que a Corte de Contas, em 14/08/2012, "não conheceu do recurso de reconsideração apresentado por João Dehon da Silva, ante a ocorrência de preclusão consumativa".
Feito isso, remanesce a análise da existência ou não de Irregularidades insanáveis que configurem atos dolosos de improbidade administrativa.
Consta dos autos que o impugnado foi condenado a ressarcir R$ 54.000,00 por não ter prestado as contas do convênio nº 771/MAS/2003 celebrado entre o Município de Grossos e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, tendo como objeto a assistência financeira para atender ao Centro de Referência da Assistência Social - Casa da Família.
No processo que tramitou perante o TCU, o Ministro Relator deixou consignado em seu voto o seguinte: "No tocante ao
Sr. João Dehon da Silva, destaco que, ao receber ofício do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, informando sobre a falta de prestação de contas, nenhuma atitude tomou para enviar a documentação correta ou certificar-se de que o Prefeito à época o faria. Veja-se que a referida comunicação, além de informar sobre a falta de encaminhamento da documentação pertinente à comprovação da correta aplicação da verba recebida, alertou que havia expirado o prazo para a entrega da prestação de contas, com observância das disposições da Instrução Normativa STN n. 01/1997".
O vício, no caso, é insanável. O gestor tinha a consciência do dever de prestar contas, com os documentos necessários para se proceder à fiscalização, mas não o fez. Ressalte-se que a prestação de contas dissociada dos documentos necessários equivale a uma não prestação, uma vez que inviabiliza totalmente a apuração contábil e conferência da legalidade dos atos.
Embora o impugnado tenha argumentado que não teve acesso aos documentos porque teria sido impedido pelo atual Prefeito, tal não foi comprovado e nem há notícia de que o representado tenha adotado providências para ter acesso aos documentos ou compelir o atual gestor a mostrá-los. Em suma, a decisão do TCU, no sentido de que não houve prestação de contas, não foi suspensa ou anulada por qualquer decisão judicial, de forma que deve ser mantida.
O TSE, aliás, já disse que "a omissão no dever de prestar contas, devido à característica de ato de improbidade administrativa (art. 11, VI, da Lei no 8.429/92) e ao fato de ser gerador de prejuízo ao município (art. 25, § 1o, IV, a, da LC no 101/2000), configura vício de natureza insanável" (AgR-AgR-REspe no 33292/PI, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 14.9.2009).
Essa conduta, grave e insanável, caracteriza também, em tese, o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, VI, da Lei nQ 8.429/92, qual seja, "deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo".
E nem há que se falar em conduta culposa. O recorrente poderia oferecer a documentação necessária para a Corte de Contas ou, por provas, mostrar os motivos que o impossibilitariam de fazê-lo, mas não o fez, como ficou consignado no TCU, de forma que a improbidade verificada se apresenta em sua forma dolosa.
Há, como se vê da conduta, grave irregularidade, insanável, que configura ato doloso de improbidade administrativa, não se podendo afastar a responsabilidade do recorrente sobre ela, posto que era sua a resopnsabilidade de prestar as contas mencionadas, enquanto Prefeito Municipal.
Por essas razões, voto pelo PROVIMENTO DO RECURSO, da A COLIGAÇÃO "GROSSOS CADA VEZ MAIS FORTE", reformando a sentença proferida para, pelas razões expostas, INDEFERIR o pedido de registro de candidatura de JOÃO DEHON DA SILVA ao cargo de Prefeito do Município de Grossos/RN.
Ao contrário do que decidiu o Tribunal de origem, a competência do Tribunal de Contas da União, no caso, não decorre do fato de se tratar de contas de gestão ou de ter sido o ex-prefeito ordenador de despesas.
Aqui, a competência do Tribunal de Contas da União emerge do inciso VI do art. 71 da Constituição Federal, por se cuidar de contas de convênio, e não do inciso II, como também é da pacífica jurisprudência deste Tribunal.
A mudança de fundamento, entretanto, não altera a conclusão de que está presente a competência do Tribunal de Contas da União, para fins da inelegibilidade da alínea g.
Quanto à irrecorribilidade da decisão, o acórdão regional está correto.
Com efeito, como se colhe da certidão do TCU de fl. 401, trazida pelo próprio candidato, é certo que as suas contas foram julgadas irregulares pelo Acórdão nº 2.781/2011, tendo sido interposto recurso de reconsideração que não foi provido pelo Acórdão nº 698/2012.
Em seguida, o candidato opôs, ainda perante o TCU, embargos de declaração que foram rejeitados pelo Acórdão nº 2.336/2012.
Finalmente, o candidato, em 1º.6.2012, entrou com "novo recurso, nominado `recurso de reconsideração¿", antes, portanto, do pedido de registro.
Este Tribunal tem entendido que somente é cabível um recurso de reconsideração perante os Tribunais de Contas, de modo que possa ser afastada a irrecorribilidade da respectiva decisão.
No caso, como se viu, o candidato já havia interposto um anterior recurso de reconsideração, que não foi provido, inclusive com a oposição de embargos declaratórios, que também foram rejeitados.
Logo, a partir da interposição do "novo recurso de reconsideração", já se tornou definitiva a decisão do Tribunal de Contas da União, que julgou irregulares as contas do candidato.
Por isso mesmo, o próprio TCU, por meio do Acórdão
nº 5873/2012, não conheceu "do recurso de reconsideração apresentado por João Dehon da Silva (peça 50), ante a ocorrência de preclusão consumativa" .
A circunstância de haver o candidato, recentemente, oposto embargos de declaração a esse novo acórdão do TCU não afeta a natureza definitiva da decisão, que já se tinha aperfeiçoado com a interposição do "novo recurso de reconsideração" antes do pedido de registro.
Reconhecida a irrecorribilidade da decisão, cumpre examinar se a irregularidade é insanável e se configura ato doloso de improbidade administrativa.
Segundo consta do Acórdão nº 2.781/2011 do TCU, o candidato, "em razão da omissão no dever de prestar contas dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Assistência Social-FNAS/MDS ao Município de Grossos/RN, nos exercícios de 2004 e 2005, no âmbito do Convênio n. 771/MAS/2003" (fl. 71), teve as contas julgadas irregulares, com a sua condenação ao recolhimento da quantia de R$ 54.000,00 (cinquenta e quatro mil reais), além de multa no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais).
De acordo com o art. 11, VI, da Lei nº 8.429/92, importa em ato de improbidade administrativa "deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo", conduta praticada diretamente pelo candidato, na versão do órgão competente - que não pode ser revista pela Justiça Eleitoral -, donde ser inquestionável, a meu ver, o respectivo dolo.
Para mim, a ausência de prestação de contas, só por si, não constitui irregularidade insanável, até porque essa ausência pode ser sanada.
Ocorre que, para ser sanada a irregularidade, é preciso que o responsável preste as contas, exatamente para propiciar a apreciação e julgamento pelo órgão competente.
Se o responsável não presta contas e, por via de consequência, o órgão competente não as julga, não há como arredar a inelegibilidade da alínea g, sob o pretexto de que a irregularidade não seria insanável ou de que não se configuraria ato doloso de improbidade administrativa.
Ademais, no caso, o candidato foi condenado a ressarcir o erário e também ao pagamento de multa.
Finalmente, diante desse contexto, não está caracterizada a divergência jurisprudencial, em face da diversidade da situação fática e jurídica dos paradigmas invocados pelo candidato.
Pelo exposto, nego seguimento ao recurso especial, nos termos no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.
Publique-se em sessão.
Brasília, 4 de outubro de 2012.
Ministro Arnaldo Versiani
Relator