A voz das ruas
ecoou no Congresso Nacional e atingiu o Palácio do Planalto. De todas as partes
do Brasil, o sinal de aviso foi um só: o povo quer mudanças em setores cruciais
da sociedade, como saúde, educação e segurança, além de melhorias concretas na
questão relacionada à mobilidade urbana. Oposição e governo travam batalha
aberta, mas os dois querem o mesmo: que as alterações propostas pela população
sejam debatidas e realizadas. Uma delas diz respeito à reforma política, tema
evidenciado pela presidenta Dilma Rousseff (PT) no auge das movimentações
populares. Para o presidente nacional do Democratas, senador potiguar José
Agripino Maia, o tema representa importância, mas a reivindicação do povo vai
além disso. Apesar de reconhecer que a reforma seria interessante, o democrata
classifica a manobra da presidenta como oportunista: “Para mim, uma manobra
claramente diversionista, já que, naquele momento, a pauta da sociedade era
mobilidade urbana, preço de transporte coletivo, metrô que não existe, hospital
superlotado, saúde inexistente, educação de má qualidade, corrupção. Isso, sim,
é o que a sociedade estava e está clamando nas ruas.” Nesta entrevista, José
Agripino fala desse e de outros temas, como o fato de o Brasil ter apostado, ao
longo de 18 anos, em bolsas sociais para reduzir as desigualdades. Ele
enfatizou que Dilma Rousseff errou ao se apresentar como uma administradora
“infalível e dona da verdade. “Governa um governo inchado, com gerentes de
qualidade duvidosa e pressupostos econômicos equivocados.”
JORNAL DE FATO –
A reforma política voltou ao cenário político nacional depois das recentes
manifestações populares em todo o Brasil. Para o senhor, por que somente agora
a presidenta Dilma Rousseff nutre interesse em discutir o tema?
JOSÉ AGRIPINO –
A reforma política é um debate que se impõe, sem sombra de dúvida, no cenário
nacional. Nós tentamos, durante anos, aprová-la no Congresso, mas a própria
base do governo do PT sempre impediu a continuação da tramitação da matéria.
Surpreendentemente, após as manifestações que tomaram conta das ruas do País, a
presidente Dilma Rousseff ocupou a rede nacional de televisão para propor um
plebiscito sobre reforma política. Para mim, uma manobra claramente
diversionista, já que, naquele momento, a pauta da sociedade era mobilidade
urbana, preço de transporte coletivo, metrô que não existe, hospital
superlotado, saúde inexistente, educação de má qualidade, corrupção. Isso, sim,
é o que a sociedade estava e está clamando nas ruas. Mas, entendo que a reforma
política é tema importante, e agora, com o repentino interesse do governo,
vamos tentar aprovar seus principais temas.
A IDEIA do
plebiscito com validade para 2014 foi defendida pela presidenta. A Câmara
Federal já avisou que não se terá tempo para discutir o assunto. Qual seria a
melhor maneira para atender a massa?
MEU partido
sempre defendeu uma consulta popular consequente, em que o povo possa opinar
com conhecimento de causa. Por isso, apoiamos um referendo. Ou seja, abre-se o
debate entre todos os partidos no Congresso – que tem a prerrogativa para fazer
a reforma –, explicando suas posições com relação à lista fechada, a voto
distrital misto, à cláusula de barreira, a financiamento público de campanha
para, de discurso em discurso, gerarmos notícias que cheguem às pessoas. Isto
é, pelo nosso debate, leva-se à consciência dos brasileiros o que significa
cada tema – hoje, não muito bem conhecido pelo cidadão comum – na profundidade
que precisa ter, para que ele possa opinar, aí sim, em um referendo.
ALIADOS do
governo afirmam que a oposição está atordoada e que não compreende o que vem
das ruas, dos recentes protestos. Para o senhor, o que está acontecendo?
AS MANIFESTAÇÕES
das ruas atingem a classe política como um todo, não apenas a oposição ou o
governo. A população, que anda inquieta, e com toda razão, dá demonstrações
claras de que não está satisfeita com a democracia representativa, com seus
eleitos, sejam governadores, prefeitos, deputados, senadores. Há uma crise de
representatividade. As pessoas se sentem enganadas pelo fato de terem eleito
representantes que não estão cumprindo aquilo que elas achavam que iriam fazer
ou que haviam prometido. Daí, a individualidade ter ido para rua. É um fenômeno
novo, em que as frustrações individuais foram articuladas pelas redes sociais,
mas as pessoas foram para as ruas motivadas pelas mais diversas razões com
foco, porém na frustração da representatividade. Mas é preciso ficar bem claro
que os protestos das ruas evidenciam, sem dúvida, descontentamento com o
governo.
É NATURAL que um
governo de esquerda sofra pressão popular?
É NATURAL que todo
governo que não cumpre promessas e oferece serviços públicos cada vez mais
precários sofra pressão popular.
O BRASIL está
inserido no Mercosul e mantém contratos apenas com três países, já que as
decisões relacionadas à economia (importação e exportação) são tomadas em
bloco. O que estaria faltando para que houvesse incremento na economia
nacional? Estaria ligado à pouca possibilidade de negócios com o Mercosul?
NOSSA presença
no Mercosul limita a possibilidade de acordo bilateral do Brasil com outros
países, como o faz o Chile, por exemplo. Posições da Argentina, e agora da
Venezuela, sitiam o Mercosul no âmbito de posições ideológicas fora de
contexto.
NA LINHA
econômica, passando pelo social, o Governo tem insistido na ideia de criar
programas sociais para amenizar a crise e reduzir as desigualdades. É o caminho
certo?
OS PROGRAMAS
sociais têm sua relevância. Tanto que apoiamos, no governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, o Bolsa Escola, hoje desenvolvido e evoluído para o
Bolsa Família. Acredito que o Bolsa Família tem grandes vantagens, como retirar
as pessoas da faixa da pobreza e possibilitar a compra daquilo que elas nunca
pensaram em ter, como geladeira, televisão etc.. Mas, sempre defendi que os
programas sociais ofereçam não somente uma porta de entrada, mas também de
saída para os beneficiários, que não criem laços de dependência eterna entre os
que recebem e o Estado. A distribuição de renda pública para tirar pessoas da
miséria é importante, mas não pode ser a coisa mais importante de um governo. É
preciso ter sustentação, e é algo que o governo do PT tem falhado. O Brasil não
pode ser só o “país das bolsas”.
O SENHOR crê em
alteração no cenário político, já que a população está nas ruas e exigindo
mudanças?
SE VOCÊ
observar, as manifestações espontâneas colocadas no Facebook, nas redes sociais,
são de uma inteligência, de uma argúcia e de uma capacidade de percepção do que
está certo e errado absolutamente incríveis, com poder de motivar, mobilizar e
mudar. A inteligência da população brasileira está indo para as ruas manifestar
sua insatisfação e está obtendo resultados. Acredito que obterá cada vez mais.
O que é preciso é que haja uma sintonia entre aqueles que se submetem ao voto
popular e essas insatisfações. Em relação à classe política, é preciso
humildade para entender que, se quiser ser político, tem que ir para a vida
pública disposto a ser intérprete da solução dos problemas do povo. Quem não
considerar isso, vai pagar um preço alto e vai se submeter à vaia continuada na
rua. Quem está na vida pública, tem que ter consciência de que está ali para
servir e não para usufruir do cargo.
ONDE a
presidenta Dilma Rousseff errou?
EM SE apresentar
como administradora infalível e dona da verdade. Governa um governo inchado,
com gerentes de qualidade duvidosa e pressupostos econômicos equivocados. Hoje,
assistimos à volta da inflação com uma economia crescendo aos menores níveis da
América do Sul. Temo que o próximo passo possa ser a volta do desemprego.
A ALTERAÇÃO
relacionada ao curso de Medicina, de seis para oito anos, dos quais dois seriam
dedicados pelos novos médicos à saúde pública, é a melhor alternativa para
resolver o problema da falta de profissionais no interior?
A SAÍDA para
resolver a crise que vive a saúde pública do Brasil está em se votar os 10% da
receita bruta – e não líquida – da União para a saúde pública. Isso, sim, é
injeção na veia.
NO PLANO
potiguar, é possível pensar na reeleição da governadora Rosalba Ciarlini, já
que o governo democrata enfrenta dificuldades?
ROSALBA é a
minha candidata. Cabe a ela decidir se quer
ser candidata.
Fonte: Jornal de Fato